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TRF-6 usa protocolo do CNJ e reconhece o direito à aposentadoria a mãe lavradora
Resumo em Linguagem Simples
Decisão da 2ª Turma do TRF6: Por maioria, o colegiado deu provimento à apelação para reconhecer o direito da segurada falecida à aposentadoria por idade rural.
Extinção na 1ª instância: A ação havia sido extinta por suposta falta de interesse de agir, tese afastada na segunda instância.
Relatoria com perspectiva de gênero: A desembargadora federal Luciana Pinheiro Costa aplicou os fundamentos do julgamento com perspectiva de gênero, considerando o trabalho doméstico como parte da economia familiar rural.
Fundamentação jurídica: A decisão destaca a superação de exigências legais antigas que restringiam o direito à aposentadoria apenas ao “chefe de família”, reconhecendo o trabalho da mulher lavradora mesmo em períodos anteriores à Constituição de 1988.
Prova material estendida: A relatora admitiu a extensão da prova material ao cônjuge da autora, prática comum na jurisprudência previdenciária em casos de trabalho rural familiar.
Dupla jornada da mulher rural: Foi reconhecido que a segurada realizava atividades agrícolas e domésticas, cuidando da casa e dos filhos, o que caracteriza o regime de economia familiar.
Idade e tempo de serviço: A segurada completou 65 anos em 1985 e apresentou início de prova material válido, além de ter exercido atividades rurais pelo tempo exigido.
Ausência de vínculo urbano: A relatora observou que não há nos autos indícios de trabalho urbano pela autora ou pelo marido, o que reforça a caracterização do núcleo familiar como rural.
Aplicação do Protocolo CNJ: A decisão incorpora diretrizes do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero e do guia elaborado pela Comissão AJUFE Mulheres, ambos voltados à promoção da equidade nas decisões judiciais.
A Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6), por maioria, deu provimento à apelação interposta pela parte autora (segurada já falecida), na qual se pleiteava a concessão do benefício de aposentadoria por idade rural. A ação havia sido extinta, em primeiro grau, por suposta falta de interesse de agir — expressão jurídica usada quando o juiz entende que o processo não seria necessário para resolver o caso.
A desembargadora federal Luciana Pinheiro Costa, relatora do voto majoritário proferiu julgamento sob a perspectiva de gênero, considerando o trabalho doméstico da mulher como integrado ao conceito de economia familiar, caracterizando uma mãe lavradora como segurada especial e permitindo o reconhecimento do direito à aposentadoria por idade rural.
Confira a apresentação do cenário judicial, jurisprudencial e científico em torno do conceito de julgamento com perspectiva de gênero, bem como a sua repercussão no direito previdenciário.
Julgamento com perspectiva de gênero
Segundo o Superior Tribunal de Justiça (STJ), o protocolo serve como guia para que o Judiciário enfrente práticas discriminatórias, aprimorando a resposta institucional às agressões contra mulheres. A meta é evitar que a violência sofrida — seja física, simbólica, pública ou privada — seja seguida por uma segunda violência, agora institucional, por parte do Estado.
O próprio protocolo destaca que o foco do Judiciário deve ser a remoção dos obstáculos que impedem o reconhecimento da igual dignidade entre mulheres e homens, condição essencial para garantir o pleno acesso à justiça.
Julgamento com perspectiva de gênero no direito previdenciário
O Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, elaborado pelo CNJ, reconhece expressamente o trabalho pioneiro das magistradas da Justiça Federal no tema. Antes mesmo da publicação do protocolo, a Comissão AJUFE Mulheres, coordenada pelas juízas federais Tani Maria Wunster e Clara da Mota Santos Pimenta Alves, lançou, em 2020, o guia "Julgamento com perspectiva de gênero: um guia para o direito previdenciário", com apoio de juristas e acadêmicas.
Dada sua relevância, o CNJ incorporou o conteúdo do guia em seis páginas do protocolo, reconhecendo sua qualidade técnica e o valor de suas contribuições.
Na decisão analisada, nota-se a aplicação prática desses fundamentos: evidencia-se que um tratamento formalmente neutro entre homens e mulheres pode gerar desigualdades reais, especialmente quando desconsidera as dificuldades femininas no acesso ao mercado formal e a desvalorização do trabalho doméstico.
O acórdão também reforça que juízes e juízas devem rejeitar interpretações que tratem as atividades domésticas como improdutivas, evitando preconceitos que perpetuem desigualdades de gênero no sistema previdenciário.
O que decidiu o TRF6
A desembargadora federal Luciana Pinheiro Costa destaca que o voto vencido – contrário ao entendimento da relatora, que prevaleceu no julgamento – reconhecia apenas a necessidade de análise do mérito do caso. No entanto, negava o direito da segurada à aposentadoria por idade rural, também chamada de aposentadoria por velhice rural.
A desembargadora explica que sua divergência em relação ao voto vencido se deu por dois motivos: primeiro, quanto à data de aquisição do direito, considerando a possibilidade de analisar os requisitos da aposentadoria por idade rural com base nos princípios da fungibilidade dos benefícios previdenciários; segundo, por adotar um julgamento com perspectiva de gênero.
Ela ressalta que, na época dos fatos, a legislação exigia que apenas o trabalhador rural considerado chefe ou arrimo de família tivesse direito à aposentadoria (art. 4º, parágrafo único, da Lei Complementar nº 11/1971 e art. 297 do Decreto nº 83.080/1979). No entanto, a jurisprudência atual entende que essa exigência fere o princípio constitucional da isonomia, mesmo em relação a períodos anteriores à Constituição de 1988 — como é o caso analisado.
Ao tratar da comprovação do tempo de trabalho rural, a magistrada destacou a possibilidade de estender a prova material à segurada, mesmo que os documentos estejam em nome de outro membro da família, como o cônjuge. Esse recurso é especialmente relevante na previdência rural, sobretudo para as mulheres, cujo trabalho no campo, historicamente, foi subestimado e vinculado à dependência do homem, conforme o modelo instituído pela Lei Complementar nº 11/1971.
A desembargadora lembra que, em documentos oficiais, era comum a mulher ser identificada como “do lar”, mesmo quando trabalhava no campo junto ao marido, qualificado como “lavrador”. No caso analisado, a segurada exercia dupla jornada: atuava como lavradora e cuidava da casa e dos filhos.
Enquanto o marido podia ter vínculo formal registrado em carteira, a mulher, apesar de realizar as mesmas atividades no mesmo contexto rural, permanecia sem registro, invisibilizada pelo sistema. Por isso, reforça-se a importância da extensão subjetiva da prova material — amplamente reconhecida pela jurisprudência —, uma vez que, historicamente, muitas mulheres nem sequer cogitavam a possibilidade de requerer benefício previdenciário, que era voltado ao chefe da família.
No caso em exame, constata-se que a segurada preencheu os requisitos legais para obtenção do benefício de aposentadoria por velhice rural, pois completou 65 anos de idade em 18/01/1985, (nascimento em 18/01/1920) e realizou o início de prova material válido, com a apresentação de documentos pertinentes.
Como destacou a desembargadora. ficou comprovado que a idosa segurada, além de ter se dedicado à atividade rural pelo período exigido, ainda que forma descontínua, também se manteve em atividade pelo menos até o ano de 1992 (quando se mudou para a cidade), aqui compreendido o cuidado com a extensa prole e os afazeres domésticos, todos estes integrantes do conceito de trabalho em regime de economia familiar, em condições de mútua dependência e colaboração.
A magistrada também ressalta que a parte autora era titular de pensão por morte rural instituída pelo marido, além de inexistir no processo qualquer indício do exercício de atividade urbana pelo casal, o que reforça a conclusão de que o trabalho exclusivamente rural garantia o sustento daquele grupo familiar.
Processo nº 0074593-34.2010.4.01.9199. Julgamento em 14/05/2025.
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